sexta-feira, 30 de abril de 2010

O STF e a impunidade dos torturadores

Supremo e Governo Federal se unem para manter os crimes cometidos pela ditadura sem punição
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Zé Maria
Presidente Nacional do PSTU e integrante da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas)
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O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou nesse dia 29 de abril uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que pedia a revisão da Lei da Anistia para os torturadores da ditadura militar. A ação da OAB, partindo do princípio de que a tortura é crime comum e imprescritível, questionava a interpretação de que a anistia se estende a todos os tipos de crime, mesmo aqueles praticados pelos agentes da repressão. Por 7 votos a 2, porém, o STF garantiu a permanência da impunidade para os torturadores.
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A Corte resolveu entender que a Constituição de 1988, que considera a tortura um crime não suscetível de anistia, não pode retroagir ao período da ditadura. Mas a concepção que predominou mesmo foi a tese da “anistia ampla, geral e irrestrita”. Ou seja, de que valeu tanto para os que se colocaram contra a ditadura quanto os que, a serviço do Estado autoritário, mataram, prenderam e torturaram.
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A questão de fundo aqui é o sentido da Lei da Anistia. Aprovada em 1979 por um Congresso completamente submisso ao último presidente da ditadura militar, o General Figueiredo, ela pretendia impedir que os agentes da repressão respondessem por seus crimes no futuro. Então, no marco de uma derrota, que era o fim da ditadura, uma vitória para o povo e os trabalhadores, os torturadores trataram de achar um meio para se salvarem.
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O governo militar se esforçou então para garantir uma transição controlada, cujo objetivo era proteger e evitar questionamentos das Forças Armadas em um cenário político pós-ditadura. Assim, a “transição gradual” também protegeria os interesses das grandes empresas e do imperialismo.
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A Lei da Anistia foi chave para que Forças Armadas não fossem questionadas com o final da ditadura. Bem diferente do que ocorreu em outros países da América Latina, como a Argentina, onde as Forças Armadas até hoje são odiadas. Mas o questionamento sobre os crimes da ditadura prosseguiu ao longo dos anos. Com o governo Lula, a expectativa de que os torturadores seriam punidos aumentou. Mas logo o governo indicou preferiu manter a impunidade. Por diversas vezes, o presidente Lula se manifestou claramente contra a revogação da anistia. A última crise ocorreu qundo o governo recuou do projeto que visava criar uma "comissão da verdade" para apurar os crimes da ditadura militar. A proposta, contida na 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNHD), não despertou só a fúria da velha direita. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes militares ameaçavam renunciar caso a proposta fosse mantida.
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Os supostos “terroristas” do qual se referem estes senhores são os 6.897 cidadãos que passaram pelas garras do DOI-Codi/SP. Gente que sofreu espancamentos, choques elétricos, pau-de-arara, afogamento e asfixia. Para eles, gente como o ex-jornalista Vladimir Herzog, por exemplo, foi um “terrorista” e seus algozes não merecem serem julgados. Para nós, ao contrário, Herzog foi um mártir bestialmente assassinado pela ditadura.
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A decisão do STF coloca ainda o Brasil na contramão de outros países como Chile e Argentina, que estão, ainda que limitadamente, punindo os ditadores e seus agentes. Há poucos dias, o último ditador da Argentina foi condenado a 25 anos de prisão por um tribunal de direitos humanos. Reynaldo Bignone, de 82 anos, teve responsabilidade em 56 casos de tortura e detenções ilegais. Mas enquanto na Argentina os ditadores são presos, aqui no Brasil a impunidade faz com esses assassinos tripudiem de seus crimes. Em entrevista recente à Globo News, o general Leônidas Pires Gonçalves disse que muitas pessoas se dizem torturadas para ganhar a Bolsa Ditadura e que ninguém foi preso injustamente durante o regime militar no Brasil.
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Diante disso, é absurda e lamentável a postura assumida pelo governo Lula. No julgamento da ação da OAB no STF, o Advogado-Geral da União, Luiz Inácio Lucena Adams, foi contra a revisão da Anistia. O Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel também defendeu a impunidade aos torturadores. Essas medidas seguem a linha adotada pelo governo: não mexer nessas coisas, deixar tudo como está para não se indispor com setores das Forças Armadas.
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Fazem parte dessa política do governo a recusa em abrir os arquivos da ditadura e a má vontade na procura das ossadas dos desaparecidos políticos, o que é de uma crueldade tremenda com as famílias que não podem sequer enterrar seus mortos. Infelizmente também os pré-candidatos à Presidência, Dilma Roussef (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV), compartilham dessa política. Uma situação bastante vergonhosa, já que Dilma Rousseff foi torturada pela repressão e José Serra foi obrigado a exilar-se.
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Defendemos a punição de todos os envolvidos em torturas, assassinatos e demais crimes cometidos pela repressão durante a ditadura militar. Da mesma forma, defendemos a abertura total de todos os arquivos do período. Ao contrário do que amplos setores do governo e do Exército alardeiam, não se trata de “revanchismo”, mas tão somente de Justiça, ainda que tardia.
[ 30/4/2010 15:17:00 ]

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